
As largas e transparentes gotas de um elemento notório e particular, escoriam pela superfície áspera da face com dias não aparada, onde acabavam em um cachecol sujo que pousava levemente sobre um fino e delicado pescoço. Sentia-se humilhado pela vida, e sua aparência física não mentia o contrario, vivia com as cinzas de cigarro espalhadas por entre suas vestes que cheiravam sempre aquele leve odor boêmio de vinho. De fato, achava-se imprestável, sem feito algum, nada de boas ações, nenhuma intelectualidade, ou um rosto bonito.Não conhecia Sócrates, nem o realismo de Aristóteles muito menos o idealismo de Platão, quem diria Karl Marx ou Nietzsche. Não sabia desenhar como Da Vinci, não pintava como Michelangelo, mal conhecia os princípios básicos entre cor, luz e textura. Não herdou um sobrenome famoso. Não casou com uma rainha. Vivia atrás de uma máscara criada por si próprio, com seus diversos pseudônimos restava apenas o anonimato. Perdido o controle, sentindo-se agonizado com a decadente tentativa de ser melhor, se deixou a esperar, esperando, esperando apenas para que algum dia as coisas se ajeitassem, para que achasse sua vocação, para que usufruísse todo o bem que viria logo em seguida, como um presente divino de seu suposto deus. Pois afinal de contas, Edward vivia dentro da lei, mesmo não acreditando nela e achando um tanto quanto desnecessárias em certas estrofes. Mas certamente um bom samaritano!
Trabalhava como jornalista em um noticiário falido, era redator, repórter e Diretor-responsável dos anúncios fúnebres. Desempenhava bem seu papel, ou pelo menos nunca ninguém reclamou sobre... Além de escrever, foi atribuída a Edward a tarefa de executar ilustrações de tumbas e monumentos. Com o tempo, quem sabe por acomodação, gerou um fascínio pela arte gótica. Seus esboços o faziam relaxar, as tardes de folga ia sempre aos cemitérios em busca de inspiração e novos estilos. Não tinha muita sorte com as raparigas, seu perfil não estava entre os dez mais votados, mas tentava. Por causa do seu baixo padrão suas roupas eram simples, mas com uma bela combinação. Nos dias de festas passava sua extravagante colônia francesa conservada de anos, e voltava como um trapo sujo, pois se deixava lamentar ao lado de seu álcool querido e acabava sozinho sem conquista alguma.
Vendo a tristeza contagiante de Edward, Celina a querida redatora-chefe, o convidou amigavelmente para assistir uma famosa peça de teatro, “Sonho de uma noite de Verão” de William Shakespeare. Ele agradeceu e aceitou o convite da companheira de trabalho. Na noite marcada, se encontraram em frente ao imenso teatro, que parecia mais um palácio, cheio de cor, belas pessoas, e música clássica. A esperança de que aquele encontro viesse a ser romântico se esvaio assim que Edward pode ver a linda Celina sair do carro acompanhada com Rafael, o detestável escrivão do fórum que se encontrava a menos de uma quadra do jornal. A idéia de ter que enfrentar as longas horas servindo como incomodo para o casal foi repugnante para ele, mas mesmo assim, já que estava ali, ali permaneceria até o fim.
As cortinas se abriram, e o espetáculo começou. Quando os atores entraram em cena, Edward pode sentir suas mãos suarem e seu coração a bater mais forte em excitação. Logo no segundo Ato, quando Helena se declara por Demétrio que a tratava com indiferença, Edward desejou ser aquele rapaz de sorte, por quem a linda moça se referia com tanta paixão recitando:
“Vossa virtude é a minha segurança. Quando o rosto vos vê, deixa a noite de ser noite; por isso, não presumo que seja noite agora. Nem me faltam mundos de companhia nestes bosques, por serdes para mim o mundo todo. Como, pois, se dirá que eu estou sozinha, se o mundo todo agora me contempla? “
(Ato II, cena I )
Nunca até aquele momento ouviu uma confissão de amor, e pelo entusiasmo da atriz, sentiu como se fosse para ele aquelas palavras, roubando-as para si em um gesto melancólico. Havia então nesse momento se apaixonado! Começou a ir mais vezes ao teatro ver novamente e novamente a composição dramática. Quando a peça terminou, criou coragem e correu atrás da pequena “Helena”, em cólera atrás de sua musa a procurando por todos os camarins. Como uma criança mimada empurrando todos a sua frente, a achou. Confessando seus quiméricos sentimentos, apenas fez crescer uma decepção da jovem por Edward. Ele não teria entendido a diferença entre o real e teatral, a suposta Helena, era na verdade a delicada Jasmim de aparência não tão extravagante sem toda aquela roupa e maquiagem que podia se observar no palco. Era mais feliz que seu personagem, atualmente não sofria por homem algum, era forte! E disse com todas as letras, que não queria nunca mais tornar a ver Edward com toda aquela aparência suja e gestos repugnantes de um ignorante nato.
Passou então a ler as grandes obras dos escritores elisabetanos, e aprofundado em sua mágoa e solidão começou a descrever seus sentimentos. O que foi deveras útil em seu trabalho! Ao citar sobre a morte, seus textos eram longos e belos, retratando com muita devoção a tristeza sentida pelos parentes, comparada ao ermo e ao lamurio. Foi então contratado por outro jornal, mas agora apenas para escrever poemas, e foi muito requisitado pois seus leitores se sentiam de certa forma com suas histórias roubadas. Edward detalhava com perfeição, como se expressasse o que todos sentiam e não conseguissem transmitir. E quem diria, nosso pobre Edward teve um final feliz!
Dedicado a minha querida amiga Michelle.