Saturday, January 06, 2007

Diálogo, parte I ( Felipe e Otavio)


- Felipe, que bom que veio! Não sabes como estava angustiado á procura de um amigo, minha vida anda tão maçante, pareço-me com uma criatura depravada e degenerada, como um objeto. Já dizia Sartre em sua filosofia existencialista, como se minha liberdade e minha existência não servissem para nada a não ser para aumentar meu medo, para ser fonte inesgotável de um terror intenso que logo será acalmado com a minha morte... - dizia lamentavelmente as palavras como breves sussurros pálidos de aflição – minha morte... parece estar próxima sabe?

Com uma falsa expressão de espanto, Felipe, se preparava para o longo discurso que presumia o amigo começar. Acendeu um charuto que se encontrava na mesa em meio a tantos outros, e se ajeitou em uma acomodável poltrona de cetim. Não que ele tratasse Otavio com indiferença, mas aquela não era a primeira vez que o amigo se confessara sobre a morte. Estavam a tomar café na biblioteca da mansão de Otavio. Era sem duvida um lugar fabuloso! Infinitas coleções de livros, com o melhor que poderia se encontrar de toda literatura, química, física, filosofia e historia. Sobre a escrivaninha estava aberta a obra do alemão Oswald Spengler, “Hora da Decisão” que condena a democracia, o pacifismo, o internacionalismo, as classes inferiores e povos de cor. Otavio era um tradicional burguês, herdeiro de muitas terras que nunca dera muito valor ao trabalho, e que se divertia lendo esse estilo de filosofia social e política do século XX. Achava de uma protuberância particularmente intrigante e irônica o modo como gozava com a agregação de seus gostos e regalos visando os alheios. Ele com sua despoetizacão da arte burlesca futurista unida ao dadaísmo, contra a massa e seu realismo deveras confortante. Fingindo-se interessado se pôs a perguntar:

- Mas meu querido, tu me pareces alguém tão realizado! Tens dinheiro, uma bela família, e as infinitas bocas das tantas raparigas que te desejam... as que tu quiseres! Seu sucesso é invejado por muitos. O que mais queres? – mas o que passava pela sua cabeça não era a pena pela tristeza do amigo e sim uma frase de Montesquieu: “Qualquer pessoa que tenha o poder, tende a abusar dele”.

- Numerar minhas qualidades meu caro, sinto que não irá adiantar de nada . Sinto-me um satírico! Sabes o que é ter tudo isso que falaste e não ser realmente feliz? Uma verdadeira hipocrisia tu pensarias. Mas acho que todo esse meu estudo voltado a humanas, arte e sociologia minhas preferidas, poderia servir para alguma ajuda a humanidade, e se não fazer nada, irei sofrer conseqüências em um futuro não muito distante. Vou te contar mais detalhes, só não me chame de lunático! Odeio essa mania, que vocês psicólogos tem de analisar e rotular todos, até os amigos e ...

-Otavio! Estou aqui para te ajudar como um irmão, não como um psicólogo, mas se não quiseres minha ajuda e continuar com esse pensamento ignorante e baixo sobre minha profissão, sinto te informar que irei embora! – que Felipe estava tenso era verdade. Cultivava seu trabalho com tanta obsessão que qualquer crítica sobre, era interpretada com muito desgosto. Outra que seu “amigo” não se censurava por tais comentários indesejáveis e repetidos em tantas voluntariamente, sentia-se tristemente ofendido.

-Tudo bem, não vamos começar uma discussão, não agora. Continuando... a menos de uma semana, após realizar umas das minhas tarefas cotidianas – olhando para seus cachimbos e se divertindo com a madeira entalhada, ao falar, citava as palavras com calma se relembrando de cada momento que iria descrever, com força e vontade, deu uma pausa e continuou – A quem quero enganar? Tu sabes, depois que voltei de um dos nossos mensais encontros da Maçonaria, estava a refletir sobre os valores ensinados, o que nossa fraternidade tanto preserva.. as virtudes do homem! Cheguei em casa, todos estavam a dormir. Minha pequena Sofia, minha linda criancinha cochilava agarrada em uma bela boneca de porcelana, fiquei comovido com a cena que eu raramente presenciava, sempre envolvido com outros negócios, não me tornei um homem muito voltado à família, mas me pus a pensar sobre o destino de minha querida, nesse mundo o qual Sofia terá de enfrentar! Tantos homens grotescos e aproveitadores ela conhecerá! Homens como eu acidentalmente acabei me tornando, sem escrúpulos, vingador, irônico e principalmente; capitalista.

-Mas Otavio, veja em que realidade vivemos, esses socialistas.. e esses miseráveis comunistas onde estão? Nosso poder econômico, tecnologia, saúde, educação, está entre uma das melhores! Tal ponto que uma sociedade socialista demoraria muitos anos a chegar. Claro que a educação em Cuba é boazinha, mas as condições daquele país, chega a me dar náuseas. Maldito, Karl Marx, com suas idéias revolucionarias de transformação e mudança, lutas de classes e tudo mais. O socialismo é muito, muito bonito, mas não passa de uma utopia. Então não queiras se julgar, estas no melhor caminho que um homem hoje pode se encontrar.

-Sei que esse meu pensamento devasto é contra toda minha cultura, todo meu crescimento e desenvolvimento. Meus pais sempre me ensinaram a viver nas normas cujas raízes estariam nas contradições internas do feudalismo medieval. Proletariado servindo a nós, á burguesia. Mas ando percebendo injustiças por entre esse meio de riquezas e bens.

-Não me faças rir! Tu nunca botaste o pé em suas lavouras, nunca se interessaste pelo trabalho. Sempre dava seus discursos sobre “ Labore est orare* O trabalho não passa de uma droga, distrai simplesmente o espírito, faz com que o homem esqueça de ti mesmo. O trabalho lhes da a ilusão confortadora de que eles existem e até que são importantes. O evangelho do trabalho, não passa do evangelho da estupidez e da covardia“

-Ah – e soltou uma leve risadinha desanimadora – Creio que não me faço entender. Entendas que algo em mim mudou, agora em meus 38 anos, confesso te que sou outro.

-E confesso, que pretendo te internar! – rindo euforicamente Felipe pode perceber pela expressão de Otavio, que não foi um bom comentário, mas não se parou, gozando de sua vingança, se pôs a rir mais. – Pobre Otavio, andas bebendo demais!

-Maldita poligamia, até tu meu amigo, agora ri de mim. E se eu te contar que essas minhas idéias brotaram a partir do dia que conheci uma rapariga idealista?! Toda sua paixão pela corrida atrás de um mundo melhor, transparece tanto que ao olha-la fez crescer algo desconhecido em meu coração. Algo em que beleza alguma poderia meche, toda a convicção, determinação e intelecto de minha pequena Manuela me fez sentir mais vivo, e todas minhas impotências de atitudes se esvaem.

-Essas mulheres... – disse Felipe, fazendo um gesto de desaprovação com a cabeça - O amor já acabou com a vida de muitos! Cuidado por onde andas, não fique a se iludir com beijos, olhares e abraços. São todas umas sanguessugas, querem toda atenção, dinheiro.. e logo começam a mandar em sua vida, em sua roupa e até mesmo em seu cabelo.

-Não penso como tu! Vejo nas mulheres uma bela fonte interrupta de inspiração, graça e beleza. São essenciais, por mais que digas tais blasfêmias sobre elas Felipe, duvido que consigas viver sem. A não ser claro – se privou rindo mas não conseguiu segurar – se tu fores homossexual! Como os gregos.. “a mulher é considerada impura”. Ah és tudo conversa!

-Então, não vamos rotular as mulheres.. e sim o amor... O amor é destrutível!