Tuesday, April 20, 2010

A Curiosidade Matou o Gato

Era mais um dia qualquer na vida de Anita. Havia desligado a televisão e foi para a varanda de sua casa fumar um cigarro, como sempre fazia antes de dormir. Sua casa era no ponto mais alto da cidade, tendo então uma vista privilegiada, da qual se podia observar muitas casas, bares e quase tudo que acontecia em seu bairro.
Nunca acendia a luz da varanda, pois gostava de ver os pontinhos laranja, lá longe, dos postes. Via a rua, as luzes através das janelas das casas que gradativamente iam se apagando com o passar das horas. Todos deviam dormir cedo para acordar cedo, mas Anita não. Ficava lá, às vezes até horas, olhando a noite e pensando na vida.
Mas hoje sentia que seria diferente, pois havia brigado com o namorado um pouco antes e estava nervosa, fingindo estar tudo bem, mas com os nervos a flor da pele. Pensou em ligar para alguém, mas desistiu.
Era verão de noite fria, com muitos ventos. A rosa dos ventos que estava presa ao teto não parava de vibrar e balançar, batendo uma nas outras, fazendo barulhos cada vez mais altos.
Aquilo a incomodava, tanto vento e aquele som ensurdecedor, queria tirar aquela maldita rosa dos ventos, mas não tinha tanto empenho.
Queria apenas ficar na dela, no silencio de seus pensamentos. Esperava quem sabe uma ligação do namorado, mas achava tal fato quase impossível.
Um vento mais forte sopra dessa vez, fazendo despencar o varal de roupas a baixo. O chão quase treme, um “bam” tão pesado que assusta e arrepia Anita, que acende um novo cigarro, dessa vez quase tremendo.
Ela senta numa alta mureta e se encosta na viga que sustenta o telhado, de lá olha o cruzamento de ruas logo a baixo. De repente vê algo muito estranho.
Três caras estavam conversando em frente a uma das casas de esquina quando um deles vai em direção a parte central do cruzamento e se abaixa, parecendo se ajoelhar. Outro cara que permanece em frente à casa estica um dos braços em direção ao homem que está ao centro.
Anita fica com medo, não entendendo muito bem o que estava acontecendo lá, ou o que iria acontecer. Ao mesmo tempo se sentia segura, pois estava em casa, e como não havia acendido a luz supôs que ninguém lá de baixo do morro fosse pensar que havia alguém em cima observando. Ela era apenas uma espectadora anônima.
Anita força o olho para tentar enxergar melhor e vê que o cara que estendeu o braço, segura algo nas mãos. Será uma arma? O terceiro cara que até então permanecia estático, caminha ao centro do cruzamento e conversa com o ajoelhado. Este parece implorar, mas implorar pelo que? Pela vida?
Impossível matarem o cara no meio da rua, Anita pensou, seria muito difícil com tantas casas ao redor.
A cena se parece à mesma durante uns cinco minutos, como uma foto. O primeiro cara com a arma apontada ao ajoelhado e o segundo de pé, dialogando com a possível vitima.
Um estouro alto e forte faz a menina quase cair de seu assento, mas não era um tiro, era um rojão, desses que explodem no céu.
A cada minuto tudo a deixava com mais vontade de entender e ver o que acontecia. Como se nós homens tivéssemos essa necessidade de sentir adrenalina vendo situações horríveis como mortes e sofrimentos de outras pessoas. Divertindo-nos com histórias e filmes de terror. Mas ali era a vida real, ela via homens reais num acerto de contas, pagando as dividas com Deus e com o Diabo.
Agora ouvia-se gritos indecifráveis, que logo foi abafado com um chute no estomago. O cara que chutava parecia feliz, chutou novamente, mas o homem que segurava a arma fez sinal que parasse.
Um novo rojão explode no céu. Teria algo haver com tráfico de drogas? Anita sabia que por lá os rojões eram usados para avisar quando os traficantes tinham drogas para vender, ou para sinalizar quando a policia estava chegando. Eram dois tipos diferentes de avisos, e ela não sabia reconhecer qual era para qual.
A menina sentia vontade de ajudar, mas a vontade de não perder nenhum detalhe era maior que ir até o telefone ligar para a polícia, esperar ser atendida, descrever a situação e o endereço.
O vento diminuía, ouvia-se apenas a respiração, o bater acelerado do coração, os grilos no mato e bem ao longe uma discussão.
O braço esticado se contrai, os nervos e veias ficam salientes, a testa do homem sua, ele meche o dedo e puxa o gatilho.
O ajoelhado não se encontra mais de joelhos, caí para trás, deitando-se sobre o chão de pedras pontiagudas.
Nesse momento Anita toma-se de susto e sem poder segurar, grita o mais alto possível que alguém poderia gritar, ecoando sobre morro. Começa a tremer e sente náusea. Nunca vira algo assim na vida, uma morte à sua frente! Nunca imaginaria que veria tal coisa, nunca.
É claro que os dois capangas ouviram o grito da moça, conseguiram perceber que vinha de cima, mas não exatamente de que lugar.
Ela fica atônita, não sabe o que fazer então simplesmente continua a tremer. Morava com seu irmão que acordou com o berro e foi em direção a varanda ver se ela estava lá. Como a noite era escura, acendeu a luz para poder procurar sua irmã. Anita corre e a apaga dizendo que não podem descobrir onde ela mora.
Seu irmão fica preocupado, não entendendo nada do acontecido, “quem não pode descobrir o que?”, ele acende novamente a lâmpada para ver melhor o rosto de Anita, mas ela descontroladamente empurra-o para o sentido contrario do interruptor e apaga novamente a luz.
-Você está maluco?! Quer morrer? Acabaram de matar um homem, juro, agora mesmo, olha lá! – e aponta.
Quando o irmão olha para o cruzamento não tem ninguém, nem o tal corpo no centro do mesmo. Anita se sente confusa, eles estavam ali há poucos segundos, como poderiam sumir com o corpo assim tão rapidamente? Será que viram o apagar e acender de luz e resolverão dar o fora o mais rápido possível dali?
Os irmãos entram em casa, na cozinha o rapaz prepara um chá de camomila para a irmã.
Um silêncio enorme enche a casa toda, logo é quebrado pelo apito da chaleira, quando o fogo é desligado e o apito se cala, ouvem-se duas batidas na porta. Anita quase começa a chorar de aflição. Pensando, “São eles!”.
Vai em direção da porta se esforçando para não fazer nenhum ruído, fica na ponta dos pés e através do olho mágico vê a sombra de dois homens.