Friday, April 27, 2007

as suas e as minhas realidades - final


Depois de horas a dançar, John percebeu que estava demasiadamente tarde e deveria regressar a sua residência. Ao se despedir de Anna, a pequena o fez esperar por mais 5 minutos, sumindo por entre as barracas. Ao voltar, trouxe uma escultura em gesso, que moldava duas mãos dadas, bem distintas, uma pequena, aparentemente de criança, e outra larga com várias rugas.

-O que ela representa? –perguntou John curiosamente.

-Sempre pensei que a arte não deveria ser explicada, se minha obra não significa nada para ti, sinto que errei. –e uma leve tristeza passou pelos seus olhos- Eu estava a guardando, para alguém que achasse especial, pensei que eras tu!

-Levarei sua escultura comigo, e pensarei! Sinto-me lisonjeado. Mas agora tenho de ir, obrigada pela noite. Prometo voltar mais tarde!

Um beijo na testa selou a despedida, e John voltou a fria rua. Recusou todos os táxis, estava decidido em caminhar e pensar sobre a noite que passara. Ao se ver na praça do centro da cidade, avistou um velho homem deitado sobre um dos bancos de madeira, no lado desse, havia uma placa dizendo: “Querido povo, sou deficiente visual, estarei grato com qualquer forma de ajuda!”.

Não encontrando dinheiro algum entre seus bolsos, John sentiu-se o mais inútil e desprezível homem. Se via infeliz em não puder ajudar e ter de aceitar situações como essas em uma sociedade que se dizia tão democrática e humanitária. Nisso, em pequenos grunhidos, o céu começou a chorar, de gota em gota, e o cinza predominava. Se aproximou do velho que se despertara do sono com o barulho e falou:

-Senhor, aceite esta escultura, que é tão rica em detalhes! Quando estiveres triste, junte suas mãos a essas e veras que não estará sozinho, que persistira a esperança de outras mãos amigas para te ajudar. Como procurarei fazer em outra oportunidade. Tome velho e cuide bem dela, esconda da chuva! Preciso correr, adeus!

-Obrigado rapaz, foi certamente o melhor agrado que recebi! Que Deus te ilumine, obrigado novamente!

Desviando de cada poça, John chegou em casa, cansado da maratona que percorrera, acendeu seu charuto e deitou-se sobre o sofá ainda com suas vestes molhadas. Refletira em tantas coisas que aprendera, algo tão inédito, que em apenas uma noite, uma, viu o que era a simplicidade, o amor verdadeiro, o belo que John tanto ansiara descobrir. Algo que nunca lhe foi proporcionado nas fraternidades da elite. Via-se mais feliz que nunca!

Tirou o dia para descansar, afinal chegara 8 horas em casa. Mas até final do dia permaneceu deitado, ainda com cansaço e febre. O mesmo permaneceu por mais 6 dias, só que dia após dia, os sintomas iam adquirindo mais força. Não viu mais Anna, e nem pode ajudar mais o velho da praça. Impotente, no sétimo dia, não resistiu a pneumonia, e com o fechar dos olhos, todos seus outros sentidos se desligaram. A morte invadiu o quarto de John, e nenhuma sinfonia alertou seu fim.

Wednesday, April 18, 2007

as suas e as minhas realidades - primeira parte


John estava no patamar, tremulo sobre o mármore, contemplando de longe toda a beleza de uma tal rapariga, que ria como criança dos singelos encômios a ela dirigidos. Através de seus olhos podia notar toda melancolia, seus lábios até podiam mentir, mas seus olhos, esses não. Pamella aparentava 17 primaveras, como uma distinta burguesa, bela e graciosa. Nunca fora casada mas os pedidos para sua mão eram inúmeros, gostava de manter seus amantes, seus flertes e jamais pensara em ter seu coração invadido por alheios, pois tão pouco cômoda essa situação seria.

Era mais uma das famosas festas da família Dratonn, muitas bebidas, comentários sobre arte, escritores famosos e outros nem tanto, deputados, cientistas, ricos e aqueles bajuladores de sempre. A massa infectada pela epidemia contemporânea, onde a insatisfação é excelsa. Todo aquele desfrute sobre os subterfúgios intelectuais, estrofes ensaiadas, faziam no estomago de John, voltas e reviravoltas. Não que ele se achasse um desconhecedor ao lado desses, mas apenas não era um falso e não via necessidade em demonstrar suas faculdades em ocasiões de festa. Pois em dias de romararia, pensava ele, o fútil do inútil preponderava, o riso era mais importante que pseudo-discussões.

A única saída era se entregar aos vícios, degustar cada baforada, e absorver cada ml do elixir. Encontrava-se cansado daquela leviana contaminação, queria explorar o belo não precisando se incumbir em mostrá-lo, mas ao mesmo tempo percebia a necessidade de uma companhia, e de preferência feminina. O velho relógio de corda alertava as horas, eram 02:00 quando a fria madrugada começava a se exaltar. De súbito, enquanto John lia uma obra anônima, a biblioteca do anfitrião T Dratonn se enchia de vida e perfume. Quem acabara de entrar era Pamella, que a essas horas se descobria em completa obediência.

-O que estais a ler meu querido?

-Uns rascunhos, mas desconheço sua origem, deixe-me recitar:

“De belas palavras se fez a poesia

De ritmados acordes inaugurou-se a música

De todo sentimento nasceu a arte

e de todo carinho cresce o amor..”

-Oras, o amor... és apenas uma utopia criada por pessoas como vós.

-Minha donzela, creio que julgas mal á reputação dos escritores, se os legados na historia de “nossa criação” não fossem tão exorbitantes, até supostamente acreditaria em vossas palavras.

-O certo é não se deixar depender, como faço! Como Casanova tanto adorava. Ter vários amores...

-Nem sempre é assim!

-John, nossas noites foram ótimas não foram? Nos divertimos tanto, se existisse o amor no meio, teria estragado tudo.

-Não vejo o porque. Tu foste minha linda Babilônia, onde mal pude me aventurar, eu como estrangeiro nato, só fiquei com cinzas da cidade fantasma.

-Não me faças rir John – ria abanando o leque sucessivamente – Sabes que minha afeição por ti é imensa!

-Então, me digas a razão com que paraste de me procurar? – juntando assim o corpo da pequena ao seu – Me dói tanto te ver sorrir a meio outros braços.

-Oras, pensava que gostava de voyeurismo! – e sua expressão não mentia toda malicia e satisfação que o momento de sarcasmo a proporcionara.

-Não sei o motivo pelo qual continuo perdendo o meu tempo! – largando-a e se direcionando à porta – Tu nunca mudas!

-A depressão bipolar não me atrai, e confesso viver muito bem assim!

Os efeitos de tais palavras se fizeram como feridas. John saiu da biblioteca sem despedidas, passou pela cozinha, surrupiou um vinho e fez da escura rua, sua meta. Andando ouviu a sinfonia de Bach, típico violão clássico. Seguiu correndo, saciado pela fome de acordes, até que parou... quem tocava Bourre, era um grupo de ciganos. O medo naquele momento não era plausível, então não se conteve ao ficar sentado admirando toda a técnica, mas algo o impressionou ainda mais. Uma bela mestiça que rodopiava junto aos seus lenços e miçangas, deixando seu longo e cacheado cabelo vermelho acompanhar o ritmo.

Quando a música parou, John nota a aproximação de três nômades:

-O que faz aqui? –pergunta um deles, de porte físico musculoso e rígido.

-Apenas estava passando pelos arredores e me encantei pela música, poderia ficar aqui de longe, ouvindo? –responde o flagelado John, magro e alto como tal.

-Diz aí Mileto, hoje é dia de festa, não queremos encrenca, aquela briga anterior já foste cansativa. –diz o segundo de expressões submissas.

-Tudo bem Alexandre, deixamos o rapaz ficar! E Julian, pegue esse vinho para festejarmos - E assim o terceiro, rouba pela segunda vez a garrafa, e junta-se aos outros em volta da fogueira.

Aos poucos John vai se aproximando, perplexo com a nova realidade! Cabanas, carnes ao fogo, pés descalços sobre o barro, algo fora de todos os padrões que havia presenciado até então.

-O que tu vês de tão magnífico senhor? –interrompe-o a mulher dos lenços.

-Pude notar que o mundo da segurança anda num paralelo bem distante do mundo da inteligência.

-Esses mundos, seus e de Platão, não vês? Não percebes que é único? Varia com o jeito de como tu observas e desejas que seja.

-Qual seria o seu pequena?

-No caso, apenas o mundo das sensações.

-Confesso que ando meio descrente sobre esse “sentir”.

-Dê-me sua mão, veremos o que a quiromancia pode nos dizer!

-Creio que veras nuvens de incertezas.

-Tu não és nem um pouco quixotesco! – ri num silencio abafado – Sua linha da vida é reta, demonstra rigidez no modo de viver. Ela nasce cortando o monte de Marte inferior, o que explica sua baixa auto-estima, mas um traço a corta, parece que viverás mudanças!

-Como podes saber tanto de minha vida, e ainda não sei nem vosso nome?

-Me chame de Anna.

-E tu de John.

-Diga-me John, tu danças?!

Thursday, April 12, 2007

sandálias e cores


Minha princesa Isabel, esconda sua boneca de pedra
esconde que o Careta vem te roubar à noite, enquanto dormes
Enquanto sonhas com teu amado e se vê distraída
coisa que o Careta sempre faz, e na manhã seguinte vende

Essa é a noite dos mascarados e eles não vão poder te proteger
o cavalo branco fugiu, e o bumba meu boi tirou férias

Vá princesa Isabel foge do Piauí, vá com as velhas sambistas
se junte a elas na roda atrás de esmolas para fazer o doce
pulando pelas ruas, com o suor de seu corpo
quem sabe São Cosmo e São Damião te escutem

Vá minha linda, e não perca esse sorriso do rosto
e não olhes para trás, seu sangue negro é de tanta coragem
só cuidado com a dança de São Gonçalo, oia meu deus!
cuidado com os pés, é lá que as prostitutas se curam..

Homens brancos, mulheres e meninos e negros,
com violas, pandeiros e adufes, com vivas e revivas
Foi para onde Isabel foi, mas no meio de tanta folia
de tanto riso, ela some.. como divina, como uma santa
por entre as ondas do mar, por entre a luz do luar..

Sunday, April 08, 2007

no samba do amor


querida, vem comigo
o baile já está começando
a pista vai se enchendo aos poucos
os músicos vão se preparando
as saias das pequenas estão girando

querida, vem comigo
vem que hoje tudo vai rolar
deixamos o ritmo entrar
no nosso corpo até delirar

querida, você diz que minha poesia é desfalcada
que minhas rimas são clichês, mas pequena
saiba que são puras, são de todo meu amor
e do que mais nós precisamos?

eu poderia fazer uma serenata
mas falta umas cordas no meu violão
então sobe na minha vespa e vamos sair desse sertão!

todos dançam, o tropicalismo voltou..

sob minha cabeça, as luzes
sob os meus pés, os seus
desculpa, desaprendi o verso

e você me vem com esse sorriso maroto
que me prende, que me faz suspirar
como é bom te amar!

querida, vê como todos parecem felizes
os cigarros e as bebidas se fazem tão inofensivas
contigo ao meu lado, com esses olhos brilhando
pareço uma criança em dia de festa

e que continue assim..
que o baile nunca termine

Thursday, April 05, 2007

O fútil do inútil



Então era isso, a sociedade vive vigiada

em suas ações e em suas emoções

nunca mais foste amada

girando apenas em torno de difusões e lamentações


Observando a tudo e a todos

limitando-se ao padrão

sua meta é generalizada em toldos

algo em que nunca vi razão


Quem se lembra da ética?

tão suja e forjada

esquecida pela hipocrisia da estética

maleável e inconstante como a arquibancada


Mas agora silencio, que a novela já vai começar...